Na votação das moções evocativas do 25 de Abril levadas ao plenário da Assembleia da União de Freguesias de Cacém e S. Marcos, Vitor Ferreira, eleito do Bloco lembrou que a liberdade de Abril é aquela "que se pratica a cada momento, em cada ato concreto e não a retórica que, só por estar na Constituição, já constitui prova que existe."
DECLARAÇÃO DE VOTO SOBRE MOÇÕES EVOCATIVAS DO 25 DE ABRIL
Nos tempos atuais, qualquer voto de louvor ou de saudação ao 25 de abril e a todos aqueles que o tornaram possível tem de estar, indissociavelmente ligado a um voto de censura e repúdio para com todos os que têm contribuído para o seu declínio. E, entre esses, destacam-se os que têm sido governo neste país, sobretudo na última década, quer pela sua ação, quer por omissão. Pelo que de mau fizeram e pelo que deixaram fazer, quando tinham o dever de fiscalizar e não o exerceram, muitas vezes com partilha de proveitos.
Evocar, hoje, o 25 de abril, a liberdade e a igualdade que lhe estão intrinsecamente associadas não deixa de ser irónico no contexto social em que vivemos, com uma sociedade subjugada por um sistema feudal de cariz modernista, sem classe média relevante, com o poder económico capturado por uma oligarquia que arregimenta exércitos de servos da gleba a troco de uma esmola apelidada de retribuição, com multidões de desempregados votados a párias da sociedade, pré condenados sem culpa formada e com a debandada generalizada para o estrangeiro dos jovens mais aptos e instruídos, sem perspetiva de vida válida e decente neste país de abril, num êxodo que só teve paralelo nos cinzentos e amargurados anos sessenta a que, justamente, esse mesmo 25 de abril pôs termo.
O 25 de Abril que me toca, já que também o partilhei ativamente, não é, seguramente, o 25 de Abril de que se apoderaram os partidos do auto proclamado arco da governação, dominados por oportunistas e falsos democratas, bajulados por clientelas servis e acéfalas que muito mais beneficiaram com ele do que para ele contribuíram. Ao fim e ao cabo, os que transformaram o 25 de abril dos ideais no 25 de abril dos interesses.
Não é um 25 de abril de falsos profetas ou de pseudo - divindades que sobre ele edificaram uma espécie de religião, com dogmas construídos à sua medida e dos seus objetivos ocultos.
Não pode ser um país de abril aquele onde grassa o descrédito pelas classes dirigentes, em que as eleições já chegam a ser decididas por um quarto dos eleitores inscritos como, justamente, aquelas em que fomos eleitos. A descrença na mudança apoderou-se da sociedade, a soberania é um mito, a apatia e o ateísmo político são, já, dominantes.
O poder é encarado como um fim em si mesmo pelos que o têm exercido e não como um meio de promover e alcançar transformações sociais positivas que dinamizem o presente e protejam o futuro.
Os ideais de abril foram subvertidos pela realidade forçada, imposta por um sistema sem rosto, moldado por rostos bem conhecidos que criou novos valores, uns falsos, outros ilusórios, para com eles postergarem e obliterarem os verdadeiros.
O 25 de Abril que interiorizo é aquele que, apesar de simbólico, é muito mais de luta que de comemoração, atualizado e actualizável, a cada momento, contra todo o tipo de opressão, subserviência, oportunismo e hipocrisia. Sem chavões, sem frases feitas, mas consciente e atuante, interpretando e reagindo a cada momento à realidade circundante que nos é imposta.
A liberdade que prezo é aquela que se conquista e não a que se venera.
A igualdade relevante é a que se pratica a cada momento, em cada ato concreto e não a retórica que, só por estar na Constituição, já constitui prova que existe.
Por tudo isto e, segura e, infelizmente, por muito mais que isto, é que, na conjuntura que nos oprime, fará mais sentido lutar por um novo 25 de abril do que comemorar o antigo.
(S. Marcos, 27/4/15, o eleito pelo Bloco de Esquerda na AF da União de Freguesias do Cacém e S. Marcos, Vítor Ferreira)