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O RAP é uma arma?

CADI à Capella
CADI à Capella

O RAP é uma arma? Foi esta a provocação de partida para uma conversa de quase duas horas que juntou, no espaço comunitário da Associação Islâmica da Tapada das Mercês, a investigadora Soraia Simões, o rapper CADI, activistas do Bloco de Esquerda e amantes do RAP e da cultura urbana.

O candidato Carlos Carujo fez de MC (Mestre de Cerimónias) deste encontro e convidou os e as presentes a partilharem o Ritmo a Arte e Poesia que o RAP traz em si, para uma troca de ideias à volta de uma mesa suburbana, espaço do RAP por excelência.

O tempo de uma história que se fez presente

O RAP começou a ser difundido em Portugal em meados da década de 1980. Soraia Simões estudou a primeira década deste fenómeno e conta-nos que tudo veio das margens da grande cidade, dos bairros periféricos onde os jovens, muitos com raízes africanas, faziam ritmos com os relatos das dificuldades, das desigualdades, do racismo, “as dificuldades de quem vivia na periferia do sistema capitalista”, inspirando-se nos sons que lhes chegavam via rádio, por cassetes que passavam de mão em mão e, mais tarde, no que ia passando na TV.

A investigadora falou sobre a função social do RAP e da forma como, no decurso do seu estudo, alguns dos protagonistas deste movimento apontaram as rimas como “uma salvação que os levou por caminhos diferentes”, numa alusão ao trabalho pouco qualificado ou às portas da marginalidade que o gueto e a exclusão social, muitas vezes, abriam.

Vindo da periferia, o RAP entrou pela cidade e acabou por contaminar a mobilização social e as grandes lutas da época com sons e expressões a imiscuírem-se, por exemplo, na campanha para salvar as gravuras de Foz Côa do afogamento cavaquista, na luta contra a semente do ódio que, pelas botas dos bandos de fascistas, matava e oprimia ou nas grandes manifestações por educação gratuita e de qualidade.

Hora de passar o Micro aos filhos desta história

CADI cresceu e vive em Rio de Mouro e começou por esclarecer que o seu contacto com o RAP foi posterior a toda esta história, Na sua perspectiva, o“RAP mostra sempre a fase em que estamos”, pelo que “apesar de estarmos numa fase materialista e, claro, de RAP materialista” ainda há compromisso com causas. É disso exemplo a campanha de solidariedade com Luaty Beirão e restantes jovens activistas e artistas que com ele foram presos em Angola. Apontou ainda as barreiras e os muros que hoje continuam a surgir na nossa sociedade como uma das razões que o fazem escrever e cantar.

Entre memórias e saídas à Capella de CADI e do MC Xaval, a conversa navegou pela autonomia da produção musical, tocando no feminismo e na emancipação, nas novas gerações de autores e em velhas dificuldades. Não sendo um tema central desta tarde, a política e as eleições não deixaram de estar presentes na sua periferia, uma vez que a produção musical e artística, a expressão do bairro, do lugar e do tempo histórico que o RAP nos faz chegar é, tantas vezes, uma forma de intervenção muito politizada e, por isso mesmo, uma forma de fazer política.

E então, o RAP é uma arma?

A questão de partida será sempre a provocação que fica. Entre as diferentes respostas que foram aflorando, fica uma que Soraia Simões recolheu na mesma fonte de onde a pergunta brotou: “tudo depende da bala e da pontaria”.

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